Quando cheguei aos 40 anos de idade, eu sentia-me muito mal. Não pelo facto de fazer 40 anos mas porque o meu corpo parecia ter 75. 3 hérnias lombares, capacidade de movimento extremamente limitada e com dores constantes, dia e noite. O primeiro médico que consultei, depois de olhar menos de 2 minutos para os meus exames, concluiu que eu só conseguiria reverter a situação se me submetesse a uma complexa cirurgia para fixar duas vértebras, fazer o implante de uma terceira e substituir toda a anca. Como podem imaginar a notícia deitou-me ainda mais abaixo. Felizmente recorri a uma segunda opinião, que me foi dada pelo sensato Dr. João Levy Melancia, que referiu que a proposta cirurgia, além de perigosa, envolvia uma probabilidade de 60% em permanecer com dores crónicas. Em alternativa, recomendou-me procurar por outro tipo de terapias. Foi o que fiz.
Encurtando uma longa história, depois de 4 anos de total compromisso com a minha recuperação, nomeadamente através de perca de peso, alimentação especial, natação, ginásio, a ajuda preciosa do Quiroprata Dr. Andrew Hatch e a sua atenciosa equipa, a paciência infindável das terapeutas de pilates Clínico Inês Nobre e Noélia Conceição, e, o apoio e amor incondicional da minha mulher Ana, eu hoje levo uma vida normal.
Tão normal, que decidi elevar o compromisso para o nível seguinte: regressar ao desporto de competição.
Quando tinha 13 anos, joguei Squash pela primeira vez e apaixonei-me. A pressão, a exigência física, o jogo mental, tudo incluido num intenso jogo de um-para-um. Eu adorava aquilo. E apesar do melhor resultado que alcancei ter sido um segundo lugar no campeonato nacional de juniores, continuei a jogar até aos 35 anos, idade em que os meus problemas de costas começaram a agravar-se. Hoje, sei que regressar ao Squash seria uma péssima ideia. Demasiada pressão nas costas. Por isso, 3 meses atrás decidi experimentar aquilo que mais se lhe assemelhava. Joguei Padel. E apaixonei-me outra vez.
É aqui que a minha história pessoal, que ainda se desenrola, se relaciona com o título deste artigo.
Sendo naturalmente competitivo, assim que assumi o meu compromisso com o Padel, procurei um treinador. Queria melhorar e depressa. E também depressa percebi que tinha um longo caminho pela frente, até poder regressar ao nível de competição. Contudo, assumi que desta vez o processo seria bem mais rápido. Afinal de contas, tenho estado envolvido com a formação e treino de pessoas nos últimos quase 20 anos, pelo que sabia o que era esperado de mim. Achei que estaria mais apto a ser treinado ao nível desportivo. Nada estava mais longe da verdade…
As lições têm sido uma frustração. E a parte mais inquietante é que a minha técnica não é muito má. Seguramente um benefício de todos aqueles anos de Squash. Mas sempre que estou num jogo não pareço ser capaz de pôr em prática o que aprendi. Por isso e depois de na semana passada ter tido mais um frustrante jogo perdido, decidi mudar a minha abordagem. Foquei a minha mente em rever o que tinha ocorrido no último jogo, ao nível emocional e racional. Com isso, compreendi que apesar do meu treinador não ter assistido ao jogo, eu não estive sozinho. A acompanhar-me estava eu próprio, sob a forma de uma voz interior. Essa voz analisou, comentou e julgou todos os meus movimentos. E era uma voz muito temperamental. E quanto mais a voz falava comigo, mais eu ficava tenso, sem ser capaz de deixar os meus movimentos fluir, ou a minha mente se focar no que estava a acontecer no campo. Com cada falhanço, a voz tornava-se mais alta, mais dictatorial e má, pronta a humilhar todo e qualquer esforço da minha parte, o que resultou na destruição de toda a minha confiança nas minhas capacidades.
Todos nós possuímos esta voz. E cada vez que tentamos algo novo lá está ela, pronta a nos julgar. E se lhe damos espaço, ela destruirá qualquer a possibilidade de nos desenvolvermos e tornarmo-nos bons em alguma coisa, pois é uma voz que não perdoa os erros. E sem erro, não há evolução. É portanto crítico silenciá-la, sempre que tentamos algo novo e com o qual estamos um pouco desconfortáveis.
Curiosamente, chegou um momento que eu estava a jogar tão mal que a minha voz desistiu de mim. E com isso se calou. Eu pude pela primeira vez jogar em total silêncio e descontração, e para meu espanto, eu e o meu parceiro ganhámos o último jogo sem os adversários conseguirem marcar um único ponto. Isto não podia ser uma coincidência.
Que aconteceu?
O que aconteceu foi um processo mental com o qual estou bastante habituado a detectar nos meus coachees. Para que uma pessoa consiga desempenhos elevados, ela precisa de empenho, focus e uma mente sossegada, a pensar apenas na tarefa em mãos. Isto é mais fácil de dizer que fazer. O problema começa com a voz interior que todas as pessoas possuem. Se não aprendermos a controlá-la, ela irá avaliar e julgar cada movimento que fazemos de uma forma altamente crítica, o que irá reduzir a nossa confiança. E sem confiança, não conseguimos bons desempenhos.
Então, o que podemos fazer?
O primeiro passo é domar a voz interior. Permitir que ela esteja lá mas sem julgamento. Focá-la ao invés, em compreender o que está a acontecer, consciente do que o corpo está a fazer, os resultados que obtém e experimentar novas abordagens até encontrar a que produz melhores resultados, mas sem emitir juízos de valor. Deixar a voz dizer coisas como: “ colocaste o pé errado à frente e por isso a bola desviou para a esquerda”, mas não a deixar adicionar: “que estupidez”, ou pior ainda: “Não consegues fazer nada direito”.
Por forma a impedir que os julgamentos aconteçam, é preciso estar consciente deste mecanismo e depois, é necessário distrair a mente. No meu caso, pedir-lhe para se concentrar em ver com nitidez o pêlo da bola enquanto jogo.
Eu fui capaz de fazer isto mesmo no jogo seguinte e posso dizer-vos que a mudança foi impressionante. Eu fui um jogador completamente diferente. Muito mais próximo do jogador em que me quero tornar. E os resultados vieram naturalmente. Eu e o meu parceiro ganhámos o meu primeiro set.
Apesar desta história que estou a partilhar convosco ser sobre Padel, a técnica empregue pode na realidade ser empregue para atingir altas performances em qualquer campo de actuação, desde engenharia, a falar em frente a uma audiência, a gerir uma empresa.
Esta técnica é crítica, mas não é o processo completo. Em próximos artigos, irei escrever sobre os passos seguintes para vencerem o jogo que estão constantemente a jogar dentro da vossa mente.